Reflexões para a promoção de uma educação intercultural
O ensino a partir de uma perspectiva intercultural pressupõe que concepções de língua, linguagem, aprendizagem e sujeito sejam examinadas. Temos interesse na linguagem produzida em contextos sociais reais, ou seja, na construção de sentidos dialogicamente tecidos por meio do discurso em contextos social, histórica e culturalmente determinados (FREIRE, 2018). Precisamos, portanto, fazer uma seleção intencional e sistematicamente planejada de quais discursos temos a intenção de destacar e colocar em circulação no espaço escolar. Nessa perspectiva, nos interessa promover o que denominamos de ecologia de saberes, ou seja, o questionamento da lógica da monocultura do saber, e, assim, outros conhecimentos passam a ter legitimidade para “participar de debates epistemológicos com outros saberes, nomeadamente com o saber científico” (SANTOS, 2002, p. 250). Nessa mesma direção, Mignolo (2008) propõe que realizemos uma desobediência epistêmica para que novas possibilidades de ser e estar no mundo possam emergir ao sairmos do domínio dos conceitos eurocentrados tão enraizados em nossa sociedade. No âmbito escolar, para que a desobediência epistêmica seja efetiva, ela precisa da escola como um de seus locus – ou, mais precisamente, o modo de conceber o currículo e a prática pedagógica na escola.
É imprescindível, nessa vertente, concebermos a escola como espaço de produção cultural (CANDAU, 2008). Ela é o território no qual identidades e mentalidades, ainda que em caráter provisório, são (re)construídas em um movimento incessante de produção cultural e ressignificação local de experiências tecidas globalmente ao longo do tempo.
Nesse sentido, para que concretizemos essa discussão, proponho algumas perguntas que podemos nos fazer para o desenvolvimento de uma proposta intercultural na escola de acordo com Megale (2022):
- Como as múltiplas realidades e identidades de meu grupo de estudantes foram consideradas para o desenvolvimento da proposta?
- Como a temática que se deseja discutir foi problematizada a partir de duas ou mais perspectivas?
- Como vozes e discursos de comunidades não hegemônicas foram contemplados em minha proposta?
- Quais recursos de circulação social real foram utilizados para que os estudantes tenham contato com essas diferentes vozes?
- Ao longo de minha proposta, quais são as representações do Outro que tenho a intenção de discutir, desestabilizar e ampliar?
- Como a proposta se relaciona com as problemáticas enfrentadas pelos estudantes em seus próprios territórios?
- Como a discussão proposta pode transformar o agir da comunidade escolar em relação à problemática discutida?
Cabe aqui ressaltar que não existe receita ou modelo a ser seguido para a promoção de uma educação intercultural. Cada território deve compreender quais são seus interesses, necessidades e potencialidades no desenvolvimento deste trabalho.
Referências Bibliográficas
CANDAU, V. M. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In: MOREIRA, A. F.; CANDAU, V. M. (Orgs.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. p. 13-37.
FREIRE, A. A interculturalidade e o ensino de línguas. In: MOREIRA, A.; CANDAU, V. (org.). Currículos, disciplinas escolares e culturas. Petrópolis: Vozes, 2018.
MEGALE. Por uma educação bilíngue intercultural comprometida com a promoção de justiça social. In: EL KADRI, M.; SAVIOLLI, V.; MOLINARI, A. Educação de professores para o contexto bi/multilingue: perspectivas e prática. Campinas: Pontes Editores, 2022.
MIGNOLO, W. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de Identidade em política. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, n. 34, p. 287-324, 2008.
SANTOS, B. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 63, p. 237- 280, out. 2002.