Letramento em avaliação de línguas – como esse conhecimento pode impactar minha prática?
É fato que estamos sempre avaliando nossas ações e as atitudes que estão ao nosso redor em nosso dia a dia. Isso pode acontecer em uma conversa com uma amiga, na fila do supermercado, ao nos depararmos com a fatura do cartão de crédito ao final do mês e mesmo ao longo da leitura de um livro. Refletimos constantemente se estamos indo de acordo com o que planejamos ou não. Decidimos, portanto, se a conversa com a amiga pode ser prolongada caso estejamos nos divertindo, se a fila do mercado está muito devagar e que talvez seja melhor nos movermos para a fila ao lado, se gastamos muito ou pouco ao longo do mês ou se desistimos ou prosseguimos com aquela leitura. Em nossa prática escolar isso não é diferente. Schlatter e Garcez (2012) explicam que a meta é a aprendizagem dos estudantes, e que, como participante desse processo, planejamos objetivos de ensino e observamos se elas estão ou não sendo atingidas. Caso as estejamos alcançando, para onde vamos seguir? E caso contrário, o que devemos fazer diferente? Devemos reajustar as metas ou enfrentamos resultados não esperados e planejamos estratégias e intervenções diferenciadas?
De acordo com os autores, como educadores, em nossos processos avaliativos, estamos imersos em um complexo sistema de valores que foram historicamente construídos. Esses valores envolvem, de acordo com os autores, “as representações e as influências de participantes diretos e externos sobre o que é avaliar, porque é importante avaliar, qual é o papel da avaliação e da correlação na aprendizagem (SCHLATTER e GARCEZ, 2012, p.150).
Schlatter e Garcez (2012) ressaltam que ao perpetuar práticas de avaliação específicas, podemos favorecer a manutenção ou interromper com uma certa cadeia de valores que foram historicamente estabelecidos. Os autores nos alertam também para o fato de que, muitas vezes isso é feito sem nos darmos conta ou sem reflexão mais profunda devido a tantas tarefas e responsabilidades as quais os professores estão envolvidos. No entanto, como professores, precisamos procurar uma avaliação que possa contribuir não apenas para as aprendizagens dos estudantes, mas também para a construção de outros discursos sobre avaliação (SCHLATTER e GARCEZ, 2012). Esse conhecimento que precisamos ter sobre avaliação é definido por Stiggins (1991) como letramento em avaliação. O autor explica que os letrados em avaliação buscam e usam avaliações que transmitem definições ricas, específicas e claras do rendimento esperado dos estudantes e se fazem duas perguntas-chave sobre as avaliações que propõem: “O que essa avaliação diz aos alunos sobre os resultados de rendimento que valorizamos? E qual é o provável efeito dessa avaliação nos alunos?” (STIGGINS, 1991, p. 535)
Na mesma direção, em 2008, Inbar-Lourie (2008) inaugura o termo language assessment literacy, ou letramento em avaliação de línguas. Quevedo-Camargo e Scaramucci (2018) esclarecem que o letramento em avaliação congrega o conhecimento que temos sobre avaliação e sobre línguas, a concepção que temos sobre o que é saber uma língua impacta diretamente no que compreendemos por avaliação. A esse respeito, Schlatter e Garcez (2012) ressaltam que se partimos do entendimento de que para saber uma língua é preciso primeiro aprender o vocabulário para somente depois formular frases e apenas a seguir se deparar com texto, imaginamos que a aula desse professor será repleta de atividades para que os estudantes memorizem palavras. Desse modo, a avaliação empregada verificará se essas palavras formam ou não memorizadas. Porém, se nossa concepção sobre saber inglês é a de que podemos nos engajar em práticas sociais que acontecem em inglês, nossa avaliação não se restringirá a verificar se os estudantes memorizaram uma lista de palavras. Os autores salientam que, nessa perspectiva, o que será avaliado é se os estudantes ampliaram suas possibilidades de participação nas práticas sociais estudadas.
Schlatter e Garcez (2012) explicam que, há muitos casos, em que os professores fazem uso de tarefas em que os estudantes participam coletivamente de práticas sociais, mas que, por uma série de questões em nós impregnadas, a avaliação se resume a uma prova na qual se cobram regras que deveriam ser decoradas ou vocabulários que tinham que ser memorizados.
Se faltam conhecimentos referentes ao letramento em avaliação, podemos realizar atividades avaliativas “apenas para constar”, porque se tem que atribuir uma nota ou conceito ao aluno. Assim, perde-se uma das maiores oportunidades que a avaliação nos concede que é a de aprendermos com ela: nós, professores, temos a oportunidade de verificarmos se as práticas e as intervenções que planejamos e empregamos estão surtindo o efeito desejado. Os estudantes, por sua vez, têm a possibilidade de compreenderem em que estágio de aprendizagem estão e como podem se reorganizar a partir dessa avaliação para atingir resultados mais efetivos em relação à apreensão dos objetos de conhecimento de Língua Inglesa de modo a participar de maneira cada vez mais autônoma de práticas sociais em que o inglês é a língua de instrução.
Referências
INBAR-LOURIE, O. Constructing a language assessment knowledge base: a focus on language assessment courses. Language Testing, v. 25, n. 3, 2008, p. 385-402.
QUEVEDO-CAMARGO, G.; SCARAMUCCI, M. O conceito de letramento em avaliação de línguas: origem de relevância para o contexto brasileiro. LING. – Est. e Pesq., Catalão-GO, vol. 22, n. 1, p. 225-245, jan./jun. 2018. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/lep/article/view/54474. Acesso em: 26 set. 2020.
SCHLATTER, M.; GARCEZ. P. Línguas adicionais na escola: aprendizagens colaborativas em Inglês. Erechim: Edelbra, 2012.
STIGGINS, R. Assessment literacy. Phi Delta Kappan, v.72, p.534-539, 1991.