5 fenômenos que afetam sua fluência
Todo estudante de língua estrangeira sonha com o tempo em que estará falando “fluentemente” o idioma escolhido. Dentre os principais mitos citados no artigo 7 conceitos de fluência e o que você deveria saber a respeito dela, um dos mais frequentes é o de que ser fluente significa falar sem pausas.
E não é pra menos.
UM RÁPIDO TESTE
Façamos o seguinte teste: se você fosse professor de idiomas e um aluno, ao final de uma aula, lhe perguntasse de repente “professor, o que posso fazer para melhorar a minha fluência no inglês/francês/alemão/espanhol, etc?”, o que você responderia?
Se você pensou primeiro em
- Ouvir música;
- Assistir filmes e séries de TV; ou ainda
- Ver noticiários na língua alvo;
Você não está sozinho. Essas são as primeiras recomendações da grande maioria dos professores de idiomas com que tenho tido contato até hoje.
A ILUSÃO DA FLUIDEZ IDEAL
São indiscutíveis, obviamente, os benefícios trazidos pelas atividades acima e abordá-los não é a intenção deste artigo. Entretanto, a performance de You Are The Sunshine Of My Life por Sinatra em pleno Madison Square Garden, o bate-papo no Central Perk onde os Friends discutem os dilemas da vida adulta, ou ainda a apresentação das manchetes do dia da BBC pelo Nik Gowing, implicam a exposição do aluno a uma fala produzida artificialmente* (em sua grande maioria) através de algum tipo de script.
Acontece que, enquanto a fluidez que nós vemos nas canções, nos diálogos de filmes e seriados ou na grande maioria das entrevistas dos noticiários é algo desejável e até mesmo vantajoso para qualquer pessoa, ela é, todavia, algo raro de acontecer na comunicação espontânea entre os indivíduos. Essa interrupção na fluência ocorre naturalmente devido a um número de fenômenos dos quais muitas vezes não nos damos conta.
1 – FALSOS COMEÇOS
Os falsos começos ( “false starts”, em inglês) ocorrem quando iniciamos uma fala e a abandonamos completamente em seguida, sem concluí-la.
Exemplo:
Sabina and I drove… or was that Larissa?… no, that was João Pessoa… well, anyway, we went to Recife last week.
2 – REPETIÇÕES
As repetições ( “repetitions”, em inglês), como o próprio nome indica, são a repetição imediata de uma ou mais palavras no ato da fala.
Exemplo:
Sabina… Sabina… Sabina and I… Sabina and I went to Recife last week.
3 – ALONGAMENTOS
Os alongamentos ( “lengthening”, em inglês) acontecem quando nos demoramos na articulação de um segmento de uma palavra. Geralmente, costumamos esticar as vogais, mas também podem acontecer em consoantes.
Exemplo:
Weeeeeeee… wennnnnt… oh, yes. We went to Recife last week.
4 – PAUSAS PREENCHIDAS
As pausas preenchidas ( “filled pauses”, em inglês) ocorrem quando utilizamos determinados sons ou palavras (conhecidos como “fillers”) seja nos momentos em que planejamos a fala “em tempo real” ou para indicarmos uma correção ou mudança de rota. São também utilizadas como forma de pausarmos o discurso sem cedermos a palavra ao nosso interlocutor. Podem ser subdivididas em:
- não-lexicalizadas (i.e. “uh” /ʌ/, “er” /ɜː/, “um” /ʌm/, etc.)
- lexicalizadas (i.e. “like”, “y’know”, “I mean”, “so”, “actually”, “basically”, “right”, etc.)
Exemplo:
Sabina and I drove… um… well, I mean, we went to Recife, like, last week.
5 – PAUSAS SILENCIOSAS
As pausas silenciosas (“silent pauses”, em inglês) incluem intervalos de silêncios durante o ato da fala. Podem estar relacionadas com a nossa hesitação na hora de falar ou simplesmente cumprir a função correspondente, digamos, a uma vírgula na escrita e são classificadas em curtas, médias ou longas.
Exemplo:
Sabina and I … went to Recife last week.
FLUÊNCIA IDEAL X FLUÊNCIA REAL
A maioria de nós, como procurei demonstrar, possui um ideal de fluência que muitas vezes não corresponde ao que acontece de fato quando travamos diálogo com outras pessoas, seja em nossa língua mãe ou estrangeira. Portanto, devemos estar continuamente em busca do domínio teórico e prático sobre os mecanismos da fala, a fim de que possamos ajudar também os nossos alunos em sua caminhada.
Há algumas semanas, uma jovem estudante (nível C1), pediu licença em sala-de-aula para mostrar ao restante da turma o seguinte vídeo contendo uma entrevista de Taylor Swift ao reporter da Teen Vogue. Ela havia percebido o quanto a fala da cantora não era assim, digamos, tão fluente quanto ela mesma se cobrava ao falar. Na verdade, ela tinha em mente uma fluência que eu chamaria de fluência ideal (influência dos filmes e séries e músicas? Quem sabe?). Assistimos ao vídeo juntos e buscamos identificar os elementos citados acima nas falas dos envolvidos. O resultado deu muito o que falar na turma.
Fica então a sugestão: quais, dos 5 fenômenos aqui apresentados, estão presentes neste vídeo? De que maneira podemos ajudar os nossos alunos na obtenção de uma fluência menos ideal e mais real?
*Aqui, o termo “artificialmente” é utilizado em oposição à fala que é produzida “espontaneamente”, ou seja, àquela que não é elaborada previamente ao ato da fala.
Referência: https://old.filledpause.com/Definition.htm