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Gostoso é aprender sem perceber!

Com que frequência você se depara com a afirmação que dá título a este post, ou com alguma de suas inúmeras variações, especialmente no contexto da divulgação de métodos de ensino e/ou aprendizagem?

No que concerne à aprendizagem de línguas estrangeiras, uma rápida pesquisa no Google logo comprova a presença dessa assertiva no discurso de boa parte das escolas nos dias de hoje (seja de idiomas, seja regular), geralmente na tentativa de explicar a sua metodologia de ensino e conquistar novos clientes:

  • “você aprende sem perceber e quando vê já está falando!!!”
  • “o aluno aprende sem perceber, com aulas dinâmicas e práticas.”
  •  “com o sistema X o aluno aprende sem perceber.”

VERDADE OU MITO?

Dada a grande permeabilidade do discurso de que é possível “aprender sem perceber” por parte das mais diversas instituições de ensino, aliado a uma surpreendente aceitação desse discurso por parte da maioria dos pais, jovens e adultos em busca do aprendizado de uma língua estrangeira, uma pergunta se faz indispensável: é possível aprender sem se dar conta?

Na minha opinião, isso não é possível. Para tanto, tomarei por base o paradigma sócio-interacionista da aprendizagem do psicólogo bielo-russo Lev Vygostsky, que, não raro, serve de referência teórica inclusive para várias dessas escolas que advogam o “aprender sem perceber” e ilustrarei com um exemplo pessoal bem significativo para mim: o dia em que minha filha falou ‘papai’ pela primeira vez.

Até que fosse chegado o dia em que meu coração pudesse se derreter ao ouvir o meu nome vindo da pequena Sofia, um longo percurso foi percorrido que envolveu, entre outros fatores de ordem biológica (desenvolvimento dos órgãos responsáveis), a interação constante entre ela e nós (seus pais), e a incessante prática através do balbucio de sons e fonemas os mais diversos.

A aquisição da fala é um processo permeado de intencionalidade: seja por parte da criança, que logo percebe o efeito que isso causa nas pessoas ao seu redor (satisfação de suas necessidades/vontades), seja por parte dos pais, que de tanto desejar ouvir a criança falar mamãe/papai chegam comumente a substituir o nome daquela por estes, como nas incontáveis vezes em que eu mesmo perguntava “o que foi PAPAI?” ao menor sinal de problema com a SOFIA!

Em outras palavras, nós, os pais, primeiros professores de nossos filhos, promovemos tamanho bombardeio lexical e tantas vezes convidamos as crianças à repetição, que a quase universalidade destas práticas parentais seria por si só capaz de contradizer até mesmo os mais firmes opositores do audiolingualismo como método de ensino.

SERÁ QUE A CRIANÇA NÃO PERCEBE?

Perguntemos a elas, então. Elas mesmas serão capazes de nos demonstrar se se dão ou não conta de que estão aprendendo, se aprender é ou não é um ato intencional, pensado, refletido, mesmo por seres ainda tão pequenos. Para tanto, basta examinarmos a aquisição do ato da fala – as suas primeiras palavras.

Dentre tantas palavras que circulavam em minha casa, ou seja, no universo da pequena Sofia, suas primeiras incursões no universo da fala foram, além de ‘papai’ e ‘mamãe’ – por motivos bem óbvios – ‘água’, ‘quer’ e algo como ‘nah’:  palavras muito simples porém bastante eficientes e que revelam ambos reflexão e intencionalidade. Se fosse algo “sem perceber” (i.e. aleatório, sem uma intencionalidade para o ato de aprender), deveríamos observar com mais frequência crianças balbuciando “có-có” e “pe-pa” antes de “papai” e “mamãe”, já que em muitos lares hoje em dia a intensidade com a qual as crianças estão expostas aos personagens Galinha Pintadinha e Peppa Pig, entre tantos outros, poderia talvez igualar-se às horas de contato com os próprios pais.

Contudo, a partir do sexto mês de vida, a criança passa a compreender algo que vai mudar a sua vida: o princípio da interação. Ela percebe o enorme poder que representa o fato de ser capaz de expressar suas necessidades através da fala e se esforça – e muito! – por aprendê-la, dominá-la, desenvolvendo-se progressivamente em um processo ininterrupto de aquisição da linguagem, algo essencial para a condição humana.

APRENDER É DAR-SE CONTA

Seja no aprendizado da língua materna, ou da estrangeira, na conquista dos primeiros passos, ou das primeiras letras, ou ainda no aprendizado de um instrumento musical ou das funcionalidades de um tablet, aprender, assim como ensinar, é um ato intencional e, para tanto, é necessário haver interesse. A partir dele, nos lançamos na compreensão do mundo que nos cerca e, a fim de compreendê-lo, é necessário antes de tudo percebê-lo. Afinal, aprender é um eterno processo de dar-se conta. Por que será, então, que o discurso do “aprender sem perceber” ainda parece ser tão indiscriminadamente aceito nos dias de hoje?

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Marcelo de Cristo

Marcelo de Cristo is an EFL Teacher, ELT Consultant and a life-long learner. He is a Cambridge CELTA Trainer and Oral Examiner (Main Suite and YLs), and has trained teachers in the private and public school sectors in Brazil and other countries around South America and in the UK. He is based in Natal, blogs at www.hashtagelt.com and also runs the Edmodo Brasil community on facebook.

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